A fé que perdi nos cães

A impressão é que H. L. Mencken e Ambrosie Bierce colaram aqui, neste livro, e sopraram nos ouvidos do autor: "diga a eles que estamos contigo, vamos embarcar juntos nesta jornada em busca da fé que perdeste nos cães." Contudo, Mirisola, que sempre navegou por conta própria e contra a maré, resolveu dispensá-los, por abominar "literatura espírita" e fungadas no cangote.
A fé que perdi nos cães é um livro de pequenos contos e crônicas, às vezes micro, permeados de aforismos, alegorias, parábolas e alguns "insultos", às vezes à guisa de divisões caretas, às vezes como surpreendentes iluminações e, na maioria delas, como bons álibis para morder o próprio rabo e seguir atordoado rumo ao "final da picada". Sustentados por uma linguagem ácida, irreverente e muitas vezes realista, estes textos são como crônicas da vida real e literária de M.M - e não teriam porque ser diferentes para este autor que jamais se escondeu atrás das máscaras risonhas dos contratos sociais e das militâncias de conveniência.
Alguns textos requentados, porém, todos ainda inéditos, se mantêm atuais neste livro, neste tempo e no futuro. Porque muito mais do que aquecer ou refrescar textos guardados, raspar o fundo do tacho com vontade e misturá-los aos mais recentes - obrigado pelo ProAC, que sabe-se lá porque contemplou este projeto - o autor entendeu que ir em busca do tempo perdido é a mesma coisa que tentar recuperar a fé nos cães, ou, quem sabe, chegar ao "final da picada", anunciado desde a primeira página deste livro. Não sabemos se os cães ainda depositam fé nos homens, mas fica claro que Mirisola novamente conseguiu ir além, de si mesmo, e do final da picada tão desejado que parece não ter fim, pelo menos enquanto Mirisola continuar reclamando e "cometendo" livros como este.

Marcelo Rizzo Mirisola nasceu em São Paulo, capital, há 55 anos. Estreou na literatura com Fátima fez os pés para mostrar na choperia (contos, 1998) pela Editora Estação Liberdade, desde então perdeu a conta dos livros que publicou nas últimas duas décadas (estima-se mais de vinte) entre contos, romances e crônicas publicados ao longo do tempo pelas editoras Record, Editora 34, Barcarolla, Demônio Negro e Oito meio, até o mais recente Quanto custa um elefante?, (romance, 2020), pela Editora 34. Tem livros publicados em Portugal pela Editora Cotovia e traduzidos em inglês e espanhol, mas ainda assim, acredita que deu um puta azar de ter chegado no finalzinho da festa. Tem fé que este A fé que perdi nos cães encerre este inútil e patético martírio de uma vez por todas.